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Nesta Semana Santa, tomo emprestada e divulgo a ótima pesquisa histórica de meu conterrâneo Paulo Vendelino Kons, de Brusque-SC.
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Na celebração da Semana Santa do ano da Graça do Senhor de 2012, um questionamento ainda desperta debates acalorados: Jesus de Nazaré realmente existiu? Para a religião cristã, Jesus é filho de Deus, plenamente Deus e plenamente homem, é o Messias. Cristo é o nome título dado pelos cristãos gregos a Jesus de Nazaré. A palavra “Cristo”, em grego Χριστός (Christós), ou seja, “Ungido” é uma tradução literal de Messias (mashiach). Esse é o Jesus Teológico. Contudo, para a historiografia, esses adjetivos não são os pontos que podem responder essa questão. O Jesus em questão é o que nasceu, viveu e morreu na Palestina, concretamente, num determinado período histórico.
Além de toda a literatura produzida por seguidores, como os 27 livros do Novo Testamento, documentação produzida por historiadores e governantes contemporâneos atestam a historicidade da existência e missão de Jesus Cristo.
Reconstruído pelos historiadores através do método histórico, o Jesus histórico é Jesus de Nazaré. Historiador e professor de História, Juberto Santos explica que “o método usa a alta crítica para analisar os textos evangélicos, principal fonte para a biografia de Jesus, juntamente com textos fontes não canônicos para reconstruir o contexto histórico do primeiro século”. Assim, o Jesus que a historiografia busca estudar é a pessoa de Jesus, homem nascido em Nazaré, filho de um carpinteiro, que viveu no século I, atraindo um pequeno grupo de galileus e, após um período de ministério, foi crucificado pelos romanos na Palestina durante o governo de Pôncio Pilatos.
No tempo presente, revistas, filmes e livros tentam desmistificar o homem Jesus e há aqueles que também buscam comprovar a sua não existência. Para termos certeza se uma pessoa é um personagem histórico é necessário saber se ele realmente existiu, se há informações seguras sobre essa pessoa e se eventualmente podemos lhe atribuir certos escritos ou palavras.
Fontes sobre Jesus e os primeiros cristãos
Um dos maiores obstáculos para estudarmos a vida de Jesus são as poucas fontes que a historiografia dispõe. A Bíblia, com certeza, é uma preciosa fonte de pesquisa, já que nela encontramos textos que retratam a vida e a caminhada de Jesus, além de registros posteriores a sua morte (Atos dos Apóstolos, Apocalipse e as Epístolas). Mas além da Bíblia, existem outras fontes?
De acordo com a historiadora Eliane Moura Silva, da Unicamp, “os fatos da vida de Cristo são relatados de passagem em alguns textos antigos, como a Vida dos Judeus, de Flávio Josefo, que viveu entre os anos 37 d.C. e 103 d.C., porém de forma pontual e não muito extensiva”. Há estudos que revelam serem verdadeiras muitas das referências históricas contidas nos Evangelhos do Novo Testamento, que tratam da vida de Cristo, mas que também foram escritos posteriormente. Trata-se de período conhecido da história do Império Romano, embora a Judéia (onde Jesus viveu) não fosse a principal preocupação nem a província romana mais importante na época.
“O testemunho transmitido por tradição oral nos primeiros séculos têm um peso decisivo, que não pode ser descartado”, pondera o professor doutor Luiz Carlos Susin, da PUC-RS. Mas o professor doutor James Veitch, in Birth of Jesus: History or Myth, afirma que Jesus foi basicamente um bom judeu que fez o melhor de si para apresentar Deus a seus contemporâneos, e teria sido Saulo de Tarso – que ficou conhecido posteriormente como Paulo – o responsável pela disseminação do cristianismo e pela divinização de Jesus. O historiador André Chevitarese, da UFRJ, explica: “Foi o grupo que catequizou Paulo que colocou a ressurreição como elemento central da cristandade de Jesus. E Paulo, um judeu helenizado, que falava grego e vivia em cidades, soube dialogar com outras culturas não judaicas, disseminando o cristianismo”.
Além da Sagrada Bíblia, como fontes podemos citar:
1. Flávio Josefo (37-100 d.C.)
O historiador Josefo que viveu ainda no primeiro século, nascido em Jerusalém (nasceu no ano 37 ou 38), conheceu a primitiva comunidade cristã e, como pertencente à nobreza sacerdotal judaica, ocupou-se criticamente dos seguidores de Jesus.  Também participou da guerra contra os romanos no ano 70. Escreveu em seu livro Antiguidades Judaicas:
- “(O sumo sacerdote) Hanan reúne o Sinedrim em conselho judiciário e faz comparecer perante ele o irmão de Jesus cognominado Cristo (Tiago era o nome dele) com alguns outros” (Flavio Josefo, Antiguidades Judaicas, XX, p.1, apud Suma Católica contra os sem Deus, dirigida por Ivan Kologrivof. Ed José Olympio, Rio de Janeiro 1939, p. 254).
- “Foi naquele tempo (por ocasião da sublevação contra Pilatos que queria servir-se do tesouro do Templo para aduzir a Jerusalém a água de um manancial longínquo),que apareceu Jesus, homem sábio, se é que, falando dele, podemos usar este termo – homem. Pois ele fez coisas maravilhosas, e, para os que aceitam a verdade com prazer, foi um mestre. Atraiu a si muitos judeus, e também muitos gregos. Foi ele o Messias esperado; e quando Pilatos, por denúncia dos notáveis de nossa nação, o condenou a ser crucificado, os que antes o haviam amado durante a vida persistiram nesse amor, pois Ele lhes apareceu vivo de novo no terceiro dia, tal como haviam predito os divinos profetas, que tinham predito também outras coisas maravilhosas a respeito dele; e a espécie de gente que tira dele o nome de cristãos subsiste ainda em nossos dias“. (Flávio Josefo, História dos Hebreus, Antiguidades Judaicas, XVIII, III, 3 , ed. cit. p. 254). (1, pg. 311 e 3).
2. Tácito (56-120 d.C.)
Tácito, historiador romano, também fala de Jesus.
Para destruir o boato (que o acusava do incêndio de Roma), Nero supôs culpados e infringiu tormentos requintadíssimos àqueles cujas abominações os faziam detestar, e a quem a multidão chamava cristãos. Este nome lhes vem de Cristo, que, sob o principado de Tibério, o procurador Pôncio Pilatos entregara ao suplício. Reprimida incontinenti, essa detestável superstição repontava de novo, não mais somente na Judeia, onde nascera o mal, mas anda em Roma, para onde tudo quanto há de horroroso e de vergonhoso no mundo aflui e acha numerosa clientela” (Tácito, Anais , XV, 44 trad.) (1 pg. 311; 3)
3. Suetônio (69-122 d.C.)
Suetônio, na Vida dos Doze Césares, publicada nos anos 119-122, diz que o imperador Cláudio: “expulsou os judeus de Roma, tornados sob o impulso de Chrestos, uma causa de desordem”; e, na vida de Nero, que sucedeu a Cláudio, acrescenta: “Os cristãos, espécie de gente dada a uma superstição nova e perigosa, foram destinados ao suplício” (Suetônio, Vida dos doze Césares, n. 25, apud Suma Católica contra os sem Deus, p. 256-257). (1 pg. 311; 3)
4. Plínio, o Moço (61-114 d.C.)
Plínio, o moço, em carta ao imperador Trajano (Epist. lib. X, 96), nos anos 111 – 113, pede instrução a respeito dos cristãos, que se reuniam de manhã para cantar louvores a Cristo. (4, pg. 106). Em sua carta explica: “É meu costume, meu senhor, referir a ti tudo aquilo acerca do qual tenho dúvidas… Nunca presenciei a julgamento contra os cristãos… Eles admitem que toda sua culpa ou erro consiste nisso: que usam se reunir num dia marcado antes da alvorada, para cantar hino a Cristo como DeusParecia-me um caso sobre o qual devo te consultar, sobretudo pelo número dos acusados… De fato, muitos de toda idade, condição e sexo, são chamados em juízo e o serão. O contágio desta superstição invadiu não somente as cidades, mas também o interior; parece-me que ainda se possa fazer alguma coisa para parar e corrigir… ” (Ep. X, 96).
5. Tertuliano (155-220 d.C.)
Escritor latino. Seus escritos constituem importantes documentos para a compreensão dos primeiros séculos do cristianismo. Ele escreveu: “Portanto, naqueles dias em que o nome cristão começou a se tornar conhecido no mundo, Tibério, tendo ele mesmo recebido informações sobre a verdade da divindade de Cristo, trouxe a questão perante o Senado, tendo já se decidido a favor de Cristo…”.
6. Os Talmudes Judeus
A tradição judaica recolhe também notícias acerca de Jesus. Assim, no Talmude de Jerusalém e no da Babilônia incluem-se dados que, evidentemente, contradizem a visão cristã, mas que confirmam a existência histórica de Jesus de Nazaré.
A terra e a gente de Jesus
Jesus viveu e atuou na Palestina, pequena faixa de terra com área de 20 mil quilômetros quadrados, dividida de alto à baixo por uma cadeia de montanhas. A cidade de Jerusalém contava com aproximadamente 50 mil habitantes. Por ocasião das grandes festas religiosas, chegava a receber 180 mil peregrinos. A economia centrava-se na agricultura, pecuária, pesca e artesanato. O poder efetivo sobre a região estava nas mãos dos romanos, que respeitavam a autonomia interna das regiões dominadas. O centro do poder político interno localizava-se no Templo de Jerusalém. Assessorado por 71 membros do Sinédrio (tribunal criminal, político e religioso), o sumo sacerdote exercia grande influência sobre os judeus, mesmo os que viviam fora da Palestina. Para o Templo e as sinagogas convergia a vida dos judeus. E foi nesta realidade que Jesus apareceu na História dessa região.
A cidade de Nazaré
Um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo, 400 habitantes. Segundo os arqueólogos, essa era a cidade de Nazaré no tempo de Jesus. De tão pequena, a vila praticamente não é citada nos documentos da época. “As escavações arqueológicas na cidade não encontraram nenhuma construção importante que datasse do tempo de Jesus”, diz o historiador John Dominic Crossan. “Em compensação, foram encontradas pequenas prensas de azeitonas para a fabricação de azeite, prensas de uvas para vinho, cisternas de água, porões para armazenar grãos e outros indícios de uma vida agrária de subsistência.”
A residência em que Jesus cresceu devia ter chão de terra batida, teto de estrados de madeira cobertos com palha e muros de pedras empilhadas com barro, lama ou até uma mistura de esterco e palha para fazer o isolamento.
A Cruz e a História
“Como esse é um campo cheio de fé e paixões, a busca do Jesus histórico sempre foi um desafio”, diz André Chevitarese, um dos maiores especialistas sobre o tema no país. “Enquanto um religioso conservador ressalta a dimensão espiritual da figura de Jesus, um teólogo da libertação vai buscar nele sua atuação como um revolucionário político.” Jesus foi um revolucionário, podemos até dizer. Ele lutava contra as injustiças e viu as misérias e os sofrimentos da população da época. Também conviveu com os fortes preconceitos em relação às mulheres, samaritanos e pelos leprosos. Deparou-se com a forte repressão romana sobre os judeus e com os embates de grupos revoltosos. Questionou a corrupção e tentou rever alguns costumes judaicos. Foi nesse contexto histórico que Jesus viveu, sendo ele um fator de mudança. Ele falava com as pessoas, tinha atitudes nobres e era um exímio questionador. Não pregou o uso da violência, mas fazia com que os sacerdotes e as demais autoridades da região fossem questionados por suas atitudes e por seu mau exemplo.
A história de vida de Jesus termina com sua morte. A partir daí veremos entrar a ideia do Jesus teológico, no que diz respeito a sua ressurreição, os seus milagres e ascensão. Mas, a ressurreição é uma questão de fé e não de História. Assim, a História não tem o comprometimento de atuar nesse sentido, todavia, ela comprova a existência do Jesus de Nazaré, morto na cruz por seus ideais de mudança, os quais incomodaram por demais as autoridades judaicas. Foi crucificado, assim como qualquer outro criminoso, entretanto seu crime foi denunciar injustiças e anunciar suas idéias. E Yeshua, o judeu pobre que morreu durante a Páscoa em Jerusalém, foi cada vez mais reconhecido e divulgado por seus seguidores e até hoje sua história de vida é exemplo para muitos, mesmo para aqueles que não o seguem. Mas para nós, seguidores seus, “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14)
Fontes:
- A Bíblia de Jerusalém. (1998). São Paulo: Ed. Paulinas
- Flávio Josefo: uma testemunha no tempo dos apóstolos; (tradução I. F. Leal Ferreira). – São Paulo: Paulus,1986.
- CHEVITARESE, André L., ARGÔLO, Paula F. & RIBEIRO, Raphaela S. (orgs.) Sociedade e Religião na Antigüidade Oriental. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros / SENAI, 112-29.
- CHEVITARESE, André L., CORNELLI, Gabriele & SELVATICI, Monica. (orgs.) Jesus de Nazaré: Uma Outra História. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006.
- CROSSAN, Jonh D. O Jesus Histórico: a vida de um camponês judeu no Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994.
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*Paulo Vendelino Kons, 42, historiador e assessor cultural do Instituto Aldo Krieger–IAK


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